Após um pedido para reconhecer as línguas indígenas faladas no Amazonas como patrimônio cultural imaterial, o Laranjeiras.News ouviu nesta sexta-feira (14), uma especialista em linguística indígena. Ao analisar a pauta, a mestranda em linguística da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cláudia Baré, afirma que Manaus já poderia ser a capital da língua indígena Nheengatu.
Para Claúdia, que também é professora do Centro Municipal de Educação Escolar Indígena Wakenai Anumarehi em Manaus, o Nheengatu (conhecido como língua geral amazônica ou tupi moderno) já poderia ser utilizada amplamente em Manaus.
“Manaus é a terra dos Barés, uma terra nossa e que poderia sim ser uma capital que falasse língua indígena, não extremamente, com 100%, mas 80% ou 90% de indígena falantes. Você já imaginou como Manaus seria?”, questiona Claúdia.
Ativista da educação indígena desde 2016, Claúdia que pertence à etnia Baré, compartilha os conhecimentos ancestrais adquiridos com o pai, Silvano Tomás, indígena Baré, que passou pelo processo de apagamento da língua tupi feito pelos jesuítas, em que os religiosos educavam os povos originários aldeados para viver como cristãos, adotando o português como língua oficial.
“O objetivo dos jesuítas era poder dominar os indígenas, mas a gente sabe que isso não prevaleceu, porque o nosso povo nunca foi dominado para ser escravo. O contexto histórico mostra uma outra história, mas sobretudo aponta que os jesuítas tentaram, mas não conseguiram. Infelizmente algumas etnias sofreram com a dominação e a extinção, inclusive o nosso povo indígena da etnia Baré”, comenta.
Reconhecimento tardio
Sobre a proposta de reconhecimento das línguas indígenas faladas no estado como patrimônio cultural imaterial, Cláudia diz que na verdade, legitimar as línguas acontece de forma tardia. “No momento sabemos que as nossas línguas indígenas estão sumindo, estão desaparecendo por falta de incentivo, por falta de ação dos maiores interessados, que são os próprios linguistas, antropólogos e arqueólogos, pessoas que diretamente pesquisam o ser humano e, principalmente, o indígena”, detalha.
Para a professora, essa difusão, preservação e reconhecimento é mais do que um direito dos povos originários. “Esse reconhecimento pode impactar as pessoas, mas se é um direito nosso, se é um reconhecimento, a gente não tem porque quê ficar preocupado. Eu fico muito alegre e mesmo que tenha sido tardio. O meu pai não tá aqui para passar por esse processo, para ver se isso acontecer, mas eu estou”, celebra.
Eternização
Segundo a especialista, que se dedica ao trabalho escolar com outras etnias, as políticas públicas podem ser usadas para que, de fato, essas línguas indígenas sejam eternizadas e lembradas.
“Ações nas escolas, o fortalecimento nas escolas indígenas de Manaus e no Estado do Amazonas. Não só na nomenclatura dizer que é indígena, mas ter um conteúdo que seja realmente voltada a favor da manutenção da linguagem e dos costumes indígenas”, determina Cláudia que complementa;
“Vejo muita gente se identificando como indígenas, graças a Tupana. Mas eu creio que seria ideal ir além da identificação, essas pessoas também têm que ir atrás das suas línguas de origem, a língua do povo. Ainda que não se tenha acesso a nossa língua de origem, a pessoa pode adotar o Nheengatu, que está aí para ser a língua brasileira e não o português” finalizou.
O projeto
O governador do Amazonas, Wilson Lima (UB), enviou à Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), uma mensagem governamental que propõe o reconhecimento das línguas indígenas faladas no estado como patrimônio cultural imaterial.
O documento também “estabelece a cooficialização de línguas indígenas e institui a Política Estadual de Proteção das Línguas Indígenas do Estado do Amazonas”. A mensagem foi apresentada na Aleam na segunda-feira (10), e esta será analisada pelas Comissões da Casa e, posteriormente, entra em pauta para ser votada.
Conforme o texto, cabe às instituições públicas a implementação de medidas voltadas à difusão, preservação e reconhecimento das línguas tradicionais no âmbito das políticas públicas do estado. “Serão igualmente reconhecidas como patrimônio cultural imaterial do Estado do Amazonas outras línguas, que sejam revitalizadas após a publicação desta Lei”, diz parte da matéria.
O documento deixa claro que as línguas não causam “prejuízo do idioma oficial brasileiro. No Amazonas, são cooficiais as línguas indígenas, dentre outras: Apurinã, Baniwa, Desána, Kanamari, Marubo, Matis, Matsés, Mawé, Múra, Nheengatu (Língua Geral Amazônica), Tariána, Tikuna, Tukano, Waiwái, Waimirí e Yanomami".
“O reconhecimento e a garantia do direito fundamental das pessoas e comunidades indígenas ao pleno uso público da própria língua, dentro ou fora das terras indígenas”, ressalta o projeto.
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