Manaus – Todo final de ano, o Escritório Central de Arrecadação de Direito Autoral (Ecad) lança material informando quais as músicas mais executadas no país. A lista apresenta uma visão macro do consumo musical brasileiro e quase sempre traz nomes conhecidos do mainstream nacional. A reportagem resolveu aprofundar a informação para saber quais são os artistas e estilos mais consumidos no Amazonas. Com apoio do Ecad, o leitor pode ter uma ideia do quão forte é a cultura regional amazônida, a partir da identidade musical de Caprichoso e Garantido.
De acordo com o Ecad, existem 20 músicas que são as mais consumidas, em eventos, no Estado do Amazonas. Dentre as 20, 13 são obras de compositores amazonenses. Os dados mostram a resistência da toada como manifestação identitária de um povo.
Para a mestra em Cultura Popular pela Universidade Federal do Recife, Djane Senna, a presença da produção musical amazonense na lista do Ecad, aponta para a quebra de um paradigma social. “A ideia de que o povo do Amazonas não valoriza sua produção musical cai por terra”, avaliou.
Cuidado com afirmações
Para a acadêmica, é preciso ter cuidado com certas afirmações. “Dizer que o povo do Amazonas é completamente endocolonizado pelo eixo Rio-São Paulo, já não se configura como uma verdade absoluta porque basta olhar os dados do Ecad, com as músicas mais tocadas em eventos, para entender que o amazonense valoriza sim sua música e seus artistas”, observou Djane Senna.
Ela avaliou que quem precisa olhar esses dados com atenção são os governantes de Manaus e do Amazonas, que devem parar de importar tantos artistas de fora em eventos oficiais, para dar espaço e valorização aos artistas competentes do Amazonas”, criticou.
Caprichoso em primeiro, Garantido em maioria
No ranking do Ecad, o Boi Caprichoso aparece em primeiro lugar com a toada “Sentimento Caprichoso” de Michel Trindade, Geovane Bastos e Adriano Aguiar. Em segundo vem “Não Quero Dinheiro” do mestre Tim Maia. Em terceiro está “Canto da Mata II” de Alceo Anselmo. Entretanto, se o Caprichoso marca presença em dois dos três primeiros lugares, a lista do Ecad revela a força dos compositores do Garantido. São nada mais e nada menos, que 10 toadas entre as 20 músicas mais executadas, nos eventos.
O compositor do Caprichoso, Adriano Aguiar, que além do primeiro lugar, tem outras duas toadas na lista, falou da surpresa em ver as composições regionais no ranking.
“Isso é muito bom e mostra uma outra realidade. O amazonense gosta de suas músicas sim. Vejo como uma surpresa boa. Sabemos que nos meses que antecedem o Festival e outras grandes festas, como Carnaboi, existe um alto consumo de toadas, no Amazonas, mas fora desses períodos não achava que acontecia”, disse, completando que o pós-pandemia trouxe o boom do boi-bumbá novamente e que as rádios do Estado poderiam aproveitar e tocar mais músicas de compositores locais.
Memoria emocional
Com experiências em shows e viagens, com a Banda “Curumins da Baixa”, Enéas Dias, um dos compositores de “Miscigenação”, a toada mais tocada do Garantido, acredita que a memória emocional do amazonense seja um dos motivos para que as toadas estejam entre as mais executadas na Lista do Ecad.
“Em todos os palcos de eventos dos municípios do Amazonas, a toada está presente. Apesar de grande parte dos amazonenses não curtir músicas regionais no cotidiano, todos conhecem e tem um boi de preferência. Por outro lado, como o ritmo do boi-bumbá está esquentando novamente e, apesar de não tocar nas rádios, existem as plataformas de música, que facilitam o acesso. Hoje inúmeras festas particulares, como casamentos e aniversários, contratam artistas de boi”, avaliou.
Na lista estão músicas mais do que conhecidas do público amazonense entre as quais: “Miscigenação” de Enéas Dias e Adriano Aguiar, “Nasci Pra Ser Vermelho” de Cezar Moraes, “Vermelho” de Chico da Silva, “Os Camisa Encarnada” de Ademar Azevedo e Maurício Filho, “Sou Garantido” de Murilo Maia, “Perreché da Puraca” de Bruno Bulcão e Jaercio Anselmo, “Garantido Em Festa” de Paulinho Du Sagrado e Tadeu Garcia entre outras.
“Basta observar esse ranking para entender a força da produção local e que cabe muito mais em outros estilos e propostas”, finalizou Djane Senna.
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